quinta-feira, 27 de maio de 2021

Todos saúdem o Rei: porque você deveria ler Stephen King

“Fiction is the truth inside the lie.”

Stephen King

 

 

Stephen King, com frequência chamado de “O Rei do Horror”, é um dos escritores contemporâneos mais populares do mundo, tendo seus livros traduzidos para inúmeras línguas e sendo best-sellers em diversos países. Sua obra também é com frequência adaptada para o cinema, de modo que é muito provável, eu diria até mesmo quase que garantido, que você já tenha visto algum filme ou série que seja derivado de uma de suas histórias (Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre são alguns dos exemplos mais populares, ainda que muita gente não os associe ao autor).

King é também um dos meus autores favoritos e, cá entre nós, acho que ele merece ainda mais alcance, público e reconhecimento do que já tem. É precisamente isso que vou tentar argumentar aqui, Caro(a) Leitor(a), que existem bons motivos para que você também se interesse por este autor e pela leitura de seus livros. Vamos ver ao final do texto o quão bem-sucedido eu fui em realizar essa pretensão. Deseje-me sorte. 

Para apresentar adequadamente esses motivos, precisamos voltar no tempo (alguns) vários anos, para aquele que foi o meu primeiro contato com o autor, quando eu tinha cerca de 12 a 13 anos. Em uma determinada madrugada, entediado e sem muito o que fazer naquele momento, resolvi procurar entre os livros do meu pai alguma coisa para ler. Revirando vários e vários livros, das mais diferentes temáticas e gêneros, desde romances históricos até ficção científica, acabei me deparando com um calhamaço de mil e algumas páginas, um verdadeiro tijolo em formato de livro, chamado A Coisa, escrito por esse sujeito chamado Stephen King. Apesar de nunca ter lido nada assim antes e imediatamente ficar intimidado com o volume de páginas, a capa do livro chamou minha atenção e, após ler a “sinopse”, decidi dar uma olhada. E, assim, subitamente me vi fisgado por aquela história, sequestrado pela narrativa, emocionalmente envolvido com aqueles personagens. Eu precisava saber como o livro ia acabar, não importava a quantidade de páginas que eu tivesse de atravessar para isso. Alguns meses depois, tendo finalmente escalado essa montanha de páginas, me senti completamente cativado pelo autor. Dali em diante, tornei-me um fã ou, mais especificamente, aquilo que King chama de Leitor Fiel.

Esse pequeno passeio pelo passado não é algo à toa, um enfeite ou apenas uma anedota bonita. Eu o menciono aqui porque ele evidencia algo que percebi desde minha primeira leitura do autor e é uma das características mais proeminente da escrita de King: a capacidade que ela tem de gerar no leitor um forte interesse pela trama, mantendo-o “fisgado” e sempre ansioso para saber o desenrolar e a conclusão das coisas. Essa é uma característica presente no melhor tipo de narrativa (literária ou de outro tipo), seja ela de qual gênero for, e King consegue fazer isso de maneira magistral. Com frequência, o leitor é rapidamente arrebatado pela história e, por conta disso, trata de “devorar” o livro o mais rápido possível. Diversas foram as vezes que isso aconteceu comigo e me vi finalizando várias obras, das mais curtas as mais extensas, em dois ou três dias por conta de uma necessidade de saber o desfecho da história e o que iria acontecer com aqueles personagens que acabei me apegando.

Existem alguns motivos para isso, que explicam essa capacidade de gerar no leitor um profundo envolvimento e fixação com a história, os quais devem ser abordados aqui. Em primeiro lugar, olhando para uma questão técnica de modo de escrita, King possui um estilo que é bastante agradável e acessível ao leitor comum. Ao invés de se utilizar de uma escrita rebuscada ou cheia de floreios, a qual poderia causar um estranhamento e eventual distanciamento de quem se depara com o livro, o autor se preocupa em utilizar de uma linguagem “coloquial”, de fácil compreensão, muitas vezes permeada de gírias, sotaques e trejeitos de fala que auxiliam em muito na imersão da narrativa. Assim, tratam-se de livros que proporcionam, de um ponto de vista da escrita utilizada, uma leitura agradável.

Um outro aspecto importante, ainda na dimensão técnica, é a habilidade que o autor tem de tornar os cenários e acontecimentos bem vívidos na imaginação do leitor a partir das descrições que são feitas nos livros, as quais com frequência são bem detalhadas e imersivas, inclusive no que diz respeito a como os personagens se sentem e o que se passa em suas cabeças. Com isso o leitor se sente “dentro da obra”, visualizando o mundo no qual a narrativa acontece de maneira mais clara e intensa, o que contribui significativamente para aprofundar o envolvimento de quem lê. O leitor “se encaixa” como parte do mundo, acaba se percebendo como alguém inserido naquela narrativa e envolvido com a trama e os personagens.

Acrescente-se a tudo isso uma boa dose de referências à cultura pop, músicas, filmes e outros elementos do cotidiano facilmente identificáveis e fáceis de se relacionar e tem-se aí uma boa fórmula, do ponto de vista de estilo de escrita, para interessar, cativar e prender o leitor junto à obra. Por diversas vezes encontro referências em seus livros à outras coisas que gosto, como outros autores, histórias e filmes do gênero terror, o que torna a leitura bastante interessante.

O livro Misery: Louca Obsessão me parece demonstrar essas qualidades técnicas da escrita muito bem. A obra conta a história de Paul Sheldon, um escritor que após um acidente de carro em uma estrada isolada, ocasionado por uma nevasca, descobre ter sido resgatado e estar sob os cuidados de Annie Wilkes, uma enfermeira a princípio simpática e que afirma ser sua fã número 1. No entanto, aquilo que parecia ser um resgate fortuito vai gradativamente se mostrando um verdadeiro pesadelo, na medida em que Paul percebe que Annie esconde um lado sinistro e que ele é muito mais um prisioneiro do que qualquer outra coisa, sendo forçado a reescrever um de seus livros de maneira que agrade os gostos e predileções de sua “anfitriã”.

Acompanhamos então a jornada de Paul, gravemente ferido e severamente debilitado, e sua busca por escapar daquela situação desesperadora. O livro é angustiante, no melhor dos sentidos. Sentimos a aflição que permeia a narrativa e entendemos a urgência da situação, tudo isso muito bem expresso pelo autor na sua escrita. Torcemos para que Paul consiga, de alguma forma, encontrar a saída desse suplício por mais difícil que isso pareça ser. Precisamos saber se ele vai conseguir ou não.  

Com isso a narrativa passa um senso de urgência duplo: interno, a respeito da precariedade em que Paul se encontra, mas também externo, em relação à nossa necessidade de chegar ao final da trama. Os livros de King, em sua grande maioria, e eu posso afirmar com convicção porque li boa parte da sua produção literária, produzem esse efeito e essa é, na minha humilde opinião, uma ótima sensação a se provocar no leitor: interesse, envolvimento, de modo a torna-lo engajado na obra. Seu modo de escrita e de construção da narrativa contribuem significativamente para isso.

Citados aqueles que vejo como os méritos técnicos da escrita de King, creio que seja a hora de passar a falar sobre o ponto que considero a maior qualidade de suas obras: os personagens. São eles o verdadeiro destaque, muitas vezes profundamente cativantes e sempre interessantes, e aquilo que que torna essas narrativas verdadeiramente excelentes. Posso citar inúmero exemplos, mas me permita, Caro(a) Leitor(a), retornar aquele meu primeiro encontro com a obra do autor para tentar explicar melhor esse aspecto.

Aquilo que imediatamente me chamou atenção ao ler A Coisa, tantos anos atrás, não foi o estilo ou qualidade da escrita. Claro, com o passar dos anos acabei me dando conta de como isso me agradava, porém naquele momento não tinha sequer capacidade para perceber isso de maneira adequada. O que saltou aos meus olhos foram os personagens, os relacionamentos existentes e construídos entre eles e, mais especificamente, o quanto eu logo me senti investido em tudo isso.

Tão logo a narrativa se inicia, somos introduzidos à dois irmãos, Bill, de dez anos, e George, de seis anos de idade. Trata-se de um dia chuvoso e Bill está doente, repousando na cama. Georgie, como é chamado carinhosamente pelo seu irmão, pede para que Bill faça então um barquinho de papel a fim de que ele possa brincar na chuva, acompanhando-o enquanto ele viajaria na correnteza criada pela água correndo na sarjeta. Essa breve interação já é suficiente para estabelecer a relação entre os irmãos, que é bastante afetuosa ainda que com algumas disputas típicas da infância, com Bill se sentindo responsável pelo seu irmão mais novo. Feito o barco, com direito à ser impermeabilizado para que consiga flutuar melhor, Georgie veste sua capa de chuva amarela e se despede de Bill com um gesto que há muito não fazia: dando-lhe um beijo no rosto. Assim, o irmão mais velho lhe diz para tomar cuidado e, com isso, o irmão mais novo parte para brincar. Essa foi a última vez que Bill o viu com vida.

Esse trecho que apresentou a relação entre os irmãos, de maneira simples e tocante, e que se encerra com uma afirmação sombria a respeito do destino de Gerogie, o qual eu tentei reproduzir brevemente acima, deixou-me imediatamente interessado. Prosseguindo na leitura, descobrimos o que aconteceu, ainda que o próprio Bill só fosse descobrir exatamente muito tempo depois. O barco de Georgie, aquele mesmo barco que fora feito pelo seu irmão, acabou sendo a causa de sua morte. Acelerando em velocidade por conta de uma descida na rua, o pequeno barquinho de papel acabou indo parar em um bueiro, deixando Georgie preocupado com que Bill pensaria por ele ter perdido o barco dessa maneira. Assim, resolveu investigar para ver se seria possível resgatá-lo desse naufrágio. Porém, dentro do bueiro não havia apenas o barco. Dentro do bueiro havia A Coisa.

Assumindo aquela que era a sua forma mais habitual, com o intuito de atrair e matar crianças, o monstro sobrenatural que vivia na cidade ficcional de Derry se mostrou para Georgie como Pennywise (ou Parcimonioso em uma tradução que não me agrada muito), o Palhaço Dançarino. Tão logo se apresentou, tratou de ganhar a confiança do menino de seis anos ao lhe oferecer seu barquinho de volta, o barco que Bill fez para ele. E, com isso, o matou, arrancando seu braço quando o garoto se esticou dentro do bueiro para pegá-lo.

Ao final deste que é o primeiro capítulo do livro e que compreende um total de apenas nove páginas, eu já estava completamente fisgado pela história. Eu precisava saber o que ia acontecer. Iria Bill descobrir exatamente o que aconteceu com seu irmão? Quem, ou o que, exatamente era aquele palhaço no bueiro? E, mais importante, qual seria o desfecho disso tudo? Seria Bill capaz de confrontar A Coisa? Foram essas perguntas iniciais, bem como diversas outras que foram surgindo ao longo do texto, que me motivaram a escalar essa montanha de mais de mil páginas.

Conhecer aqueles personagens e suas relações, primeiro Bill e Georgie, depois os integrantes do chamado Clube dos Perdedores (Eddie, Richie, Bem, Stan, Beverly e Mike), ver seus problemas, medos, anseios e esperanças, foi o que me manteve preso ao livro. Eu era parte do Clube dos Perdedores, eu era como eles, também uma criança lidando com alguns vários problemas familiares e todas as incertezas e inseguranças decorrentes disso. Quando o livro mostra a vida adulta dos personagens anos depois, quando eles precisam enfrentar o Pennywise por uma segunda vez, vemos que eles são pessoas cheias de traumas, complexos e medos, agora mais específicos da vida adulta, e eu tenho certeza que se eu fosse ler o livro agora, com um olhar de anos depois, iria me identificar com diversas outras questões.

E eu considero isso algo muito importante de se destacar: fundamentalmente, King não escreve apenas histórias de terror no sentido pobre do termo, isto é, histórias que são feitas para proporcionar sustos baratos, como alguns de seus críticos tendem a acusar. O que o King faz muitas vezes, em vários de seus romances e em muitos dos seus contos, é escrever histórias muito boas sobre personagens, com os elementos sobrenaturais, fantásticos e assustadores sendo apenas um “veículo” ou meio para a narrativa. Em outras palavras, é menos sobre as situações, sejam elas quais forem, e mais sobre os personagens nessas situações, como eles reagem e lidam com isso. É sobre o elemento humano nisso tudo.

Permita-me, Caro(a) Leitor(a), exemplificar isso de maneira mais evidente, trazendo aqui outros dois exemplos: uma história com elemento sobrenatural de pano de fundo e outra sem elemento sobrenatural algum. Estou falando aqui, respectivamente, de À Espera de Um Milagre e Um Sonho de Liberdade. Talvez esses nomes lhe pareçam familiares e muito provavelmente devem ser. Ambos foram adaptados para o cinema com imenso sucesso de público e crítica, sendo Um Sonho de Liberdade o filme mais bem avaliado no IMDB até hoje (9.2). De todo o modo, retornando ao argumento, são histórias em que o elemento central são seus personagens. O que atrai e cativa são como os personagens são construídos, como as relações entre eles são estabelecidas e como eles reagem aos acontecimentos.

Esses são os exemplos em que talvez isso fique mais evidente, mas não são os únicos. Em O Iluminado, para além do hotel assombrado, temos um protagonista que lida com problemas psicológicos, alcoolismo e com as formas que isso destruiu a ele próprio e prejudicou a sua família (é um livro que reflete os próprios problemas do King, que teve sérios problemas com o álcool). Em Carrie, A Estranha, para além da telecinese e habilidades paranormais da protagonista, temos uma menina que lida com os anseios e inseguranças da adolescência, bem como com uma mãe que é uma fanática religiosa e a reprime de todas as formas possíveis. Em Trocas Macabras, além da pequena loja que lhe vende o que você mais deseja à custo de um pequeno, pequeniníssimo favor, temos uma narrativa sobre desejo, ganância, egoísmo e a maldade que habita o coração de todos nós, seres humanos. Em Cemitério de Animais (um dos meus favoritos), para além do terreno capaz de reviver aquilo que é enterrado nele, trata-se fundamentalmente de uma história sobre perda, luto e a nossa incapacidade de lidar com a morte (planejo escrever um texto especificamente sobre esse livro e essa questão no futuro). Isso são apenas alguns exemplos, poderia citar vários outros, mas prefiro não me alongar mais.

Seja você um(a) fã de histórias de terror, sejam elas sobrenaturais ou não; alguém que gosta de histórias interessantes, bem escritas e que prendem o leitor; ou mesmo quem goste de histórias que girem em torno do desenvolvimento de personagens, eu garanto que os livros do Stephen King podem lhe apresentar alguma coisa que lhe agrade e interesse. Basta você dar uma chance, quem sabe você também não passa a apreciar o autor e se torna também um Leitor Fiel?

Talvez, com alguma sorte, eu tenha despertado em você um interesse, mesmo que pequeno pelo autor. Por onde começar, então? Quais livros podem ser lidos primeiro, a fim de possibilitar a minha entrada e iniciação no mundo deste autor com mais de 60 livros publicados? Bem, permita-me lhe ajudar nisso. Sempre me parece mais prudente, quando tive essa conversa no passado (já a tive algumas vezes), indicar para as pessoas começarem a ler pelos livros de contos reunidos. São leituras menores, mais leves, e que conseguem já transmitir bem o estilo do autor de maneira a você descobrir se é ou não o seu tipo de literatura.

A obra Tripulação de Esqueletos é, na minha opinião, o melhor livro de contos do King. Lá você encontra alguns dos melhores, clássicos como “O Nevoeiro”, o qual foi inclusive também foi adaptado para o cinema, e o belíssimo “O Processador de Palavra dos Deuses”. Tudo é Eventual e Quatro Estações também são boas opções nesse departamento, cada um desses livros contendo, além de vários outros, um dos melhores contos já escritos pelo King: no primeiro, “N.”, que fala sobre um psicólogo que vai lenta e gradativamente descendo na espiral de loucura do seu próprio paciente, “contaminado” pela insanidade; no segundo, “Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank”, conto em que Um Sonho de Liberdade foi baseado. Todas são ótimas opções de por onde começar.

Depois disso, ou caso você prefira começar já pelos romances, temos outras boas alternativas do que ler. O Iluminado e Misery: Louca Obsessão são ótimas escolhas, histórias interessantes, envolventes e que não são longas, sobre as quais já falei aqui. A Espera de um Milagre e Trocas Macabras também seriam boas pedidas, e eu recomendo fortemente Cemitério de Animais, um dos melhores e dos meus preferidos, com a ressalva apenas de que o acho um livro pesado, não na dimensão sobrenatural especificamente, mas sim nas discussões sobre morte, perda e luto.

Convencido(a) de que Stephen King é mesmo para você, Caro(a) Leitor(a)? Então está na hora de enfrentar os calhamaços, as grandes obras, tanto em termos de tamanho quanto de qualidade. A Coisa, como já disse, é um dos melhores livros do King e você precisa lê-lo, mesmo que eu reconheça que ele tem alguns problemas em relação escolhas narrativas. A Dança da Morte, de mais de mil páginas, é considerada por muitos como a obra-prima de King, sua maior produção literária, e fala de um mundo devastado por uma praga (qualquer semelhança é mera coincidência) e dos sobreviventes que restaram. E, por fim, a série de livros da Torre Negra é a narrativa épica criada por King, um misto de fantasia e velho oeste, um projeto de 8 livros que são maravilhosos, ainda que tenham também suas falhas.

De qualquer forma, esses foram os meus (não tão) breves comentários sobre o Stephen King e sua produção literária, de porque eu gosto e por quais motivos acho que você também pode gostar. Vamos lá, pegue um livro e dê uma chance.

Vai saber o que pode acontecer, não é?

 

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