quinta-feira, 27 de maio de 2021

Todos saúdem o Rei: porque você deveria ler Stephen King

“Fiction is the truth inside the lie.”

Stephen King

 

 

Stephen King, com frequência chamado de “O Rei do Horror”, é um dos escritores contemporâneos mais populares do mundo, tendo seus livros traduzidos para inúmeras línguas e sendo best-sellers em diversos países. Sua obra também é com frequência adaptada para o cinema, de modo que é muito provável, eu diria até mesmo quase que garantido, que você já tenha visto algum filme ou série que seja derivado de uma de suas histórias (Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre são alguns dos exemplos mais populares, ainda que muita gente não os associe ao autor).

King é também um dos meus autores favoritos e, cá entre nós, acho que ele merece ainda mais alcance, público e reconhecimento do que já tem. É precisamente isso que vou tentar argumentar aqui, Caro(a) Leitor(a), que existem bons motivos para que você também se interesse por este autor e pela leitura de seus livros. Vamos ver ao final do texto o quão bem-sucedido eu fui em realizar essa pretensão. Deseje-me sorte. 

Para apresentar adequadamente esses motivos, precisamos voltar no tempo (alguns) vários anos, para aquele que foi o meu primeiro contato com o autor, quando eu tinha cerca de 12 a 13 anos. Em uma determinada madrugada, entediado e sem muito o que fazer naquele momento, resolvi procurar entre os livros do meu pai alguma coisa para ler. Revirando vários e vários livros, das mais diferentes temáticas e gêneros, desde romances históricos até ficção científica, acabei me deparando com um calhamaço de mil e algumas páginas, um verdadeiro tijolo em formato de livro, chamado A Coisa, escrito por esse sujeito chamado Stephen King. Apesar de nunca ter lido nada assim antes e imediatamente ficar intimidado com o volume de páginas, a capa do livro chamou minha atenção e, após ler a “sinopse”, decidi dar uma olhada. E, assim, subitamente me vi fisgado por aquela história, sequestrado pela narrativa, emocionalmente envolvido com aqueles personagens. Eu precisava saber como o livro ia acabar, não importava a quantidade de páginas que eu tivesse de atravessar para isso. Alguns meses depois, tendo finalmente escalado essa montanha de páginas, me senti completamente cativado pelo autor. Dali em diante, tornei-me um fã ou, mais especificamente, aquilo que King chama de Leitor Fiel.

Esse pequeno passeio pelo passado não é algo à toa, um enfeite ou apenas uma anedota bonita. Eu o menciono aqui porque ele evidencia algo que percebi desde minha primeira leitura do autor e é uma das características mais proeminente da escrita de King: a capacidade que ela tem de gerar no leitor um forte interesse pela trama, mantendo-o “fisgado” e sempre ansioso para saber o desenrolar e a conclusão das coisas. Essa é uma característica presente no melhor tipo de narrativa (literária ou de outro tipo), seja ela de qual gênero for, e King consegue fazer isso de maneira magistral. Com frequência, o leitor é rapidamente arrebatado pela história e, por conta disso, trata de “devorar” o livro o mais rápido possível. Diversas foram as vezes que isso aconteceu comigo e me vi finalizando várias obras, das mais curtas as mais extensas, em dois ou três dias por conta de uma necessidade de saber o desfecho da história e o que iria acontecer com aqueles personagens que acabei me apegando.

Existem alguns motivos para isso, que explicam essa capacidade de gerar no leitor um profundo envolvimento e fixação com a história, os quais devem ser abordados aqui. Em primeiro lugar, olhando para uma questão técnica de modo de escrita, King possui um estilo que é bastante agradável e acessível ao leitor comum. Ao invés de se utilizar de uma escrita rebuscada ou cheia de floreios, a qual poderia causar um estranhamento e eventual distanciamento de quem se depara com o livro, o autor se preocupa em utilizar de uma linguagem “coloquial”, de fácil compreensão, muitas vezes permeada de gírias, sotaques e trejeitos de fala que auxiliam em muito na imersão da narrativa. Assim, tratam-se de livros que proporcionam, de um ponto de vista da escrita utilizada, uma leitura agradável.

Um outro aspecto importante, ainda na dimensão técnica, é a habilidade que o autor tem de tornar os cenários e acontecimentos bem vívidos na imaginação do leitor a partir das descrições que são feitas nos livros, as quais com frequência são bem detalhadas e imersivas, inclusive no que diz respeito a como os personagens se sentem e o que se passa em suas cabeças. Com isso o leitor se sente “dentro da obra”, visualizando o mundo no qual a narrativa acontece de maneira mais clara e intensa, o que contribui significativamente para aprofundar o envolvimento de quem lê. O leitor “se encaixa” como parte do mundo, acaba se percebendo como alguém inserido naquela narrativa e envolvido com a trama e os personagens.

Acrescente-se a tudo isso uma boa dose de referências à cultura pop, músicas, filmes e outros elementos do cotidiano facilmente identificáveis e fáceis de se relacionar e tem-se aí uma boa fórmula, do ponto de vista de estilo de escrita, para interessar, cativar e prender o leitor junto à obra. Por diversas vezes encontro referências em seus livros à outras coisas que gosto, como outros autores, histórias e filmes do gênero terror, o que torna a leitura bastante interessante.

O livro Misery: Louca Obsessão me parece demonstrar essas qualidades técnicas da escrita muito bem. A obra conta a história de Paul Sheldon, um escritor que após um acidente de carro em uma estrada isolada, ocasionado por uma nevasca, descobre ter sido resgatado e estar sob os cuidados de Annie Wilkes, uma enfermeira a princípio simpática e que afirma ser sua fã número 1. No entanto, aquilo que parecia ser um resgate fortuito vai gradativamente se mostrando um verdadeiro pesadelo, na medida em que Paul percebe que Annie esconde um lado sinistro e que ele é muito mais um prisioneiro do que qualquer outra coisa, sendo forçado a reescrever um de seus livros de maneira que agrade os gostos e predileções de sua “anfitriã”.

Acompanhamos então a jornada de Paul, gravemente ferido e severamente debilitado, e sua busca por escapar daquela situação desesperadora. O livro é angustiante, no melhor dos sentidos. Sentimos a aflição que permeia a narrativa e entendemos a urgência da situação, tudo isso muito bem expresso pelo autor na sua escrita. Torcemos para que Paul consiga, de alguma forma, encontrar a saída desse suplício por mais difícil que isso pareça ser. Precisamos saber se ele vai conseguir ou não.  

Com isso a narrativa passa um senso de urgência duplo: interno, a respeito da precariedade em que Paul se encontra, mas também externo, em relação à nossa necessidade de chegar ao final da trama. Os livros de King, em sua grande maioria, e eu posso afirmar com convicção porque li boa parte da sua produção literária, produzem esse efeito e essa é, na minha humilde opinião, uma ótima sensação a se provocar no leitor: interesse, envolvimento, de modo a torna-lo engajado na obra. Seu modo de escrita e de construção da narrativa contribuem significativamente para isso.

Citados aqueles que vejo como os méritos técnicos da escrita de King, creio que seja a hora de passar a falar sobre o ponto que considero a maior qualidade de suas obras: os personagens. São eles o verdadeiro destaque, muitas vezes profundamente cativantes e sempre interessantes, e aquilo que que torna essas narrativas verdadeiramente excelentes. Posso citar inúmero exemplos, mas me permita, Caro(a) Leitor(a), retornar aquele meu primeiro encontro com a obra do autor para tentar explicar melhor esse aspecto.

Aquilo que imediatamente me chamou atenção ao ler A Coisa, tantos anos atrás, não foi o estilo ou qualidade da escrita. Claro, com o passar dos anos acabei me dando conta de como isso me agradava, porém naquele momento não tinha sequer capacidade para perceber isso de maneira adequada. O que saltou aos meus olhos foram os personagens, os relacionamentos existentes e construídos entre eles e, mais especificamente, o quanto eu logo me senti investido em tudo isso.

Tão logo a narrativa se inicia, somos introduzidos à dois irmãos, Bill, de dez anos, e George, de seis anos de idade. Trata-se de um dia chuvoso e Bill está doente, repousando na cama. Georgie, como é chamado carinhosamente pelo seu irmão, pede para que Bill faça então um barquinho de papel a fim de que ele possa brincar na chuva, acompanhando-o enquanto ele viajaria na correnteza criada pela água correndo na sarjeta. Essa breve interação já é suficiente para estabelecer a relação entre os irmãos, que é bastante afetuosa ainda que com algumas disputas típicas da infância, com Bill se sentindo responsável pelo seu irmão mais novo. Feito o barco, com direito à ser impermeabilizado para que consiga flutuar melhor, Georgie veste sua capa de chuva amarela e se despede de Bill com um gesto que há muito não fazia: dando-lhe um beijo no rosto. Assim, o irmão mais velho lhe diz para tomar cuidado e, com isso, o irmão mais novo parte para brincar. Essa foi a última vez que Bill o viu com vida.

Esse trecho que apresentou a relação entre os irmãos, de maneira simples e tocante, e que se encerra com uma afirmação sombria a respeito do destino de Gerogie, o qual eu tentei reproduzir brevemente acima, deixou-me imediatamente interessado. Prosseguindo na leitura, descobrimos o que aconteceu, ainda que o próprio Bill só fosse descobrir exatamente muito tempo depois. O barco de Georgie, aquele mesmo barco que fora feito pelo seu irmão, acabou sendo a causa de sua morte. Acelerando em velocidade por conta de uma descida na rua, o pequeno barquinho de papel acabou indo parar em um bueiro, deixando Georgie preocupado com que Bill pensaria por ele ter perdido o barco dessa maneira. Assim, resolveu investigar para ver se seria possível resgatá-lo desse naufrágio. Porém, dentro do bueiro não havia apenas o barco. Dentro do bueiro havia A Coisa.

Assumindo aquela que era a sua forma mais habitual, com o intuito de atrair e matar crianças, o monstro sobrenatural que vivia na cidade ficcional de Derry se mostrou para Georgie como Pennywise (ou Parcimonioso em uma tradução que não me agrada muito), o Palhaço Dançarino. Tão logo se apresentou, tratou de ganhar a confiança do menino de seis anos ao lhe oferecer seu barquinho de volta, o barco que Bill fez para ele. E, com isso, o matou, arrancando seu braço quando o garoto se esticou dentro do bueiro para pegá-lo.

Ao final deste que é o primeiro capítulo do livro e que compreende um total de apenas nove páginas, eu já estava completamente fisgado pela história. Eu precisava saber o que ia acontecer. Iria Bill descobrir exatamente o que aconteceu com seu irmão? Quem, ou o que, exatamente era aquele palhaço no bueiro? E, mais importante, qual seria o desfecho disso tudo? Seria Bill capaz de confrontar A Coisa? Foram essas perguntas iniciais, bem como diversas outras que foram surgindo ao longo do texto, que me motivaram a escalar essa montanha de mais de mil páginas.

Conhecer aqueles personagens e suas relações, primeiro Bill e Georgie, depois os integrantes do chamado Clube dos Perdedores (Eddie, Richie, Bem, Stan, Beverly e Mike), ver seus problemas, medos, anseios e esperanças, foi o que me manteve preso ao livro. Eu era parte do Clube dos Perdedores, eu era como eles, também uma criança lidando com alguns vários problemas familiares e todas as incertezas e inseguranças decorrentes disso. Quando o livro mostra a vida adulta dos personagens anos depois, quando eles precisam enfrentar o Pennywise por uma segunda vez, vemos que eles são pessoas cheias de traumas, complexos e medos, agora mais específicos da vida adulta, e eu tenho certeza que se eu fosse ler o livro agora, com um olhar de anos depois, iria me identificar com diversas outras questões.

E eu considero isso algo muito importante de se destacar: fundamentalmente, King não escreve apenas histórias de terror no sentido pobre do termo, isto é, histórias que são feitas para proporcionar sustos baratos, como alguns de seus críticos tendem a acusar. O que o King faz muitas vezes, em vários de seus romances e em muitos dos seus contos, é escrever histórias muito boas sobre personagens, com os elementos sobrenaturais, fantásticos e assustadores sendo apenas um “veículo” ou meio para a narrativa. Em outras palavras, é menos sobre as situações, sejam elas quais forem, e mais sobre os personagens nessas situações, como eles reagem e lidam com isso. É sobre o elemento humano nisso tudo.

Permita-me, Caro(a) Leitor(a), exemplificar isso de maneira mais evidente, trazendo aqui outros dois exemplos: uma história com elemento sobrenatural de pano de fundo e outra sem elemento sobrenatural algum. Estou falando aqui, respectivamente, de À Espera de Um Milagre e Um Sonho de Liberdade. Talvez esses nomes lhe pareçam familiares e muito provavelmente devem ser. Ambos foram adaptados para o cinema com imenso sucesso de público e crítica, sendo Um Sonho de Liberdade o filme mais bem avaliado no IMDB até hoje (9.2). De todo o modo, retornando ao argumento, são histórias em que o elemento central são seus personagens. O que atrai e cativa são como os personagens são construídos, como as relações entre eles são estabelecidas e como eles reagem aos acontecimentos.

Esses são os exemplos em que talvez isso fique mais evidente, mas não são os únicos. Em O Iluminado, para além do hotel assombrado, temos um protagonista que lida com problemas psicológicos, alcoolismo e com as formas que isso destruiu a ele próprio e prejudicou a sua família (é um livro que reflete os próprios problemas do King, que teve sérios problemas com o álcool). Em Carrie, A Estranha, para além da telecinese e habilidades paranormais da protagonista, temos uma menina que lida com os anseios e inseguranças da adolescência, bem como com uma mãe que é uma fanática religiosa e a reprime de todas as formas possíveis. Em Trocas Macabras, além da pequena loja que lhe vende o que você mais deseja à custo de um pequeno, pequeniníssimo favor, temos uma narrativa sobre desejo, ganância, egoísmo e a maldade que habita o coração de todos nós, seres humanos. Em Cemitério de Animais (um dos meus favoritos), para além do terreno capaz de reviver aquilo que é enterrado nele, trata-se fundamentalmente de uma história sobre perda, luto e a nossa incapacidade de lidar com a morte (planejo escrever um texto especificamente sobre esse livro e essa questão no futuro). Isso são apenas alguns exemplos, poderia citar vários outros, mas prefiro não me alongar mais.

Seja você um(a) fã de histórias de terror, sejam elas sobrenaturais ou não; alguém que gosta de histórias interessantes, bem escritas e que prendem o leitor; ou mesmo quem goste de histórias que girem em torno do desenvolvimento de personagens, eu garanto que os livros do Stephen King podem lhe apresentar alguma coisa que lhe agrade e interesse. Basta você dar uma chance, quem sabe você também não passa a apreciar o autor e se torna também um Leitor Fiel?

Talvez, com alguma sorte, eu tenha despertado em você um interesse, mesmo que pequeno pelo autor. Por onde começar, então? Quais livros podem ser lidos primeiro, a fim de possibilitar a minha entrada e iniciação no mundo deste autor com mais de 60 livros publicados? Bem, permita-me lhe ajudar nisso. Sempre me parece mais prudente, quando tive essa conversa no passado (já a tive algumas vezes), indicar para as pessoas começarem a ler pelos livros de contos reunidos. São leituras menores, mais leves, e que conseguem já transmitir bem o estilo do autor de maneira a você descobrir se é ou não o seu tipo de literatura.

A obra Tripulação de Esqueletos é, na minha opinião, o melhor livro de contos do King. Lá você encontra alguns dos melhores, clássicos como “O Nevoeiro”, o qual foi inclusive também foi adaptado para o cinema, e o belíssimo “O Processador de Palavra dos Deuses”. Tudo é Eventual e Quatro Estações também são boas opções nesse departamento, cada um desses livros contendo, além de vários outros, um dos melhores contos já escritos pelo King: no primeiro, “N.”, que fala sobre um psicólogo que vai lenta e gradativamente descendo na espiral de loucura do seu próprio paciente, “contaminado” pela insanidade; no segundo, “Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank”, conto em que Um Sonho de Liberdade foi baseado. Todas são ótimas opções de por onde começar.

Depois disso, ou caso você prefira começar já pelos romances, temos outras boas alternativas do que ler. O Iluminado e Misery: Louca Obsessão são ótimas escolhas, histórias interessantes, envolventes e que não são longas, sobre as quais já falei aqui. A Espera de um Milagre e Trocas Macabras também seriam boas pedidas, e eu recomendo fortemente Cemitério de Animais, um dos melhores e dos meus preferidos, com a ressalva apenas de que o acho um livro pesado, não na dimensão sobrenatural especificamente, mas sim nas discussões sobre morte, perda e luto.

Convencido(a) de que Stephen King é mesmo para você, Caro(a) Leitor(a)? Então está na hora de enfrentar os calhamaços, as grandes obras, tanto em termos de tamanho quanto de qualidade. A Coisa, como já disse, é um dos melhores livros do King e você precisa lê-lo, mesmo que eu reconheça que ele tem alguns problemas em relação escolhas narrativas. A Dança da Morte, de mais de mil páginas, é considerada por muitos como a obra-prima de King, sua maior produção literária, e fala de um mundo devastado por uma praga (qualquer semelhança é mera coincidência) e dos sobreviventes que restaram. E, por fim, a série de livros da Torre Negra é a narrativa épica criada por King, um misto de fantasia e velho oeste, um projeto de 8 livros que são maravilhosos, ainda que tenham também suas falhas.

De qualquer forma, esses foram os meus (não tão) breves comentários sobre o Stephen King e sua produção literária, de porque eu gosto e por quais motivos acho que você também pode gostar. Vamos lá, pegue um livro e dê uma chance.

Vai saber o que pode acontecer, não é?

 

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Ruína, esperança e aqueles que carregam o fogo: um ensaio sobre A Estrada, de Cormac McCarthy.

 “He lay listening to the water drip in the woods. Bedrock, this. The cold and the silence. The ashes of the late world carried on the bleak and temporal winds to and fro in the void. Carried forth and scattered and carried forth again. Everything uncoupled from its shoring. Unsupported in the ashen air. Sustained by a breath, trembling and brief. If only my heart were stone.”

Cormac McCarthy, A Estrada.



Decidi recentemente revisitar uma obra que me impactou muito quando a li pela primeira vez, quase uma década atrás. Trata-se de A Estrada, de Cormac McCarthy, um dos livros mais tristes e bonitos que já tive a oportunidade de ler, tornando-o imediatamente um dos meus favoritos, já que a combinação beleza e melancolia acaba sendo um dos meus pontos fracos no que diz respeito a narrativas e músicas.

Confesso que estava curioso para ver que efeitos essa releitura causaria em mim, tantos anos depois, tantas coisas já diferentes. Com o passar do tempo, as coisas vão se alterando em nossas vidas e deixamos de ser exatamente quem éramos, em maior ou menor grau, na medida em que novas experiências vão sendo incorporadas no processo constante de construção da nossa identidade. Aquilo que outrora parecia indispensável e inafastável acaba inadvertidamente ficando pelo caminho, sejam amizades ou relacionamentos, certezas ou traços da sua própria personalidade. Da mesma forma, coisas que antes pareciam impensáveis ou impossíveis subitamente fazem parte de você, da sua vida, da sua realidade. Tudo isso aconteceu comigo. E, confie em mim , vai acontecer com você também, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Assim é a transitoriedade da vida.

Dessa forma, ao revisitar uma obra depois de um tempo significativo, seja um livro, filme, série ou jogo, você pode descobrir, Caro(a) Leitor(a), uma experiência radicalmente nova e diferente daquela que você teve da última vez. Não foi tanto o livro que mudou, mas o leitor; não se alterou o texto, mas os olhos que o leem e o sujeito que o interpreta. Nós vemos nas histórias reflexos do que carregamos em nós mesmos: medos, anseios, traumas, desejos, ambições, esperanças. Por isso as pessoas se relacionam de maneiras distintas com uma mesma história ou personagem: o que ressoa em cada um varia e é dependente daquilo que se carrega dentro de si. Que mudanças me aguardavam então ao revisitar esse livro?

Acabei descobrindo, confesso que com uma certa dose de surpresa, que embora muita coisa tenha mudado, externa e internamente, existem coisas que permanecem as mesmas. Que embora eu não seja mais aquele sujeito que leu esse livro a tanto tempo atrás, algumas coisas ainda ressoam comigo da mesma forma que fizeram da primeira vez, ainda que várias outras agora o façam de maneira diferente. E, com uma nova percepção proveniente das experiências adquiridas ao longo desses anos, algumas boas e outras ruins, me descobri diante de um livro do qual eu gostei mais ainda do que da primeira vez que o li. E é justamente sobre isso que eu gostaria de falar aqui, neste pequeno ensaio.

A Estrada conta a história de um mundo pós-apocalíptico, o qual ao que tudo indica foi consumido pelas chamas de uma guerra nuclear, restando apenas um cenário de desolação que existe em meio aquilo que parece ser um inverno nuclear. Nunca é explicitamente definido o que exatamente aconteceu, temos apenas alguns vislumbres incertos do que poderia ter causado tudo isso através das lembranças de um dos personagens que acompanhamos: as cidades sendo consumidas em chamas e o mundo sendo tomado por cinzas e escuridão. Mas uma coisa é certa, restou muito pouco daquele mundo que outrora existiu. O cenário é de devastação, escassez de recursos e luta pela sobrevivência, tanto contra as condições de vida quanto contra outros sobreviventes.

Nesse mundo de cinzas, um mundo que já foi e agora não é mais, o qual parece ainda existir mais por hábito do que por qualquer outro motivo, acompanhamos a jornada de dois personagens em sua tentativa de sobreviver: um pai e um filho, os quais jamais são nomeados ao longo do livro, referindo-se um ao outro apenas como “Papa” e “The boy”, respectivamente. Peregrinos viajando ao longo de uma estrada, rumo ao sul, para longe do frio, buscando sobreviver. Acompanhamos suas vidas duras e difíceis, cheias de dor e sofrimento, de situações horríveis, aterrorizantes e desesperadoras, mas que também são atravessadas por momentos de afeto, amor e esperança, enchendo a narrativa de uma dimensão emocional profunda e interessante, a qual faz com que você fique genuinamente interessado e engajado na história, sempre querendo saber o que vai acontecer e qual será o destino daqueles personagens.

Não vou entrar em pontos cruciais da narrativa, de modo estraga-la. Em outras palavras, sem spoilers. Mas me parece importante destacar alguns elementos que permeiam a obra e a tornam, a meu ver, excepcional. Em primeiro lugar, de um ponto de vista técnico, a linguagem e o estilo de escrita que são utilizados para contar a narrativa são elementos que merecem destaque, tamanha é a qualidade apresentada. Neste livro, McCarthy apresenta um estilo duro e conciso, mas que também é atravessado ocasionalmente por passagens profundamente poéticas que causam um grande impacto no leitor. Por diversos momentos isso aconteceu comigo e me vi lendo e relendo o mesmo trecho diversas vezes a fim de assimilar tudo aquilo que ela evocava.

A citação que abre este ensaio é um ótimo exemplo disso, mas o livro contém inúmeros outros igualmente belos e melancólicos, dentre os quais destaco a frase “Borrowed time and borrowed world and borrowed eyes with which to sorrow it”, a qual bem resume esse mundo desfeito em cinzas, as quais se dispersam gradativamente no ar até nada mais restar.  Por esse motivo, recomendo fortemente que, se possível, a leitura seja feita no idioma original, em inglês, a fim de preservar o estilo e, consequentemente, a qualidade própria que a narrativa possui, mesmo que em certos momentos, especificamente aqueles mais poéticos, a leitura seja um pouco desafiadora.

Essa mescla entre concisão e poesia, entre dureza e beleza, não está limitada apenas ao aspecto técnico do livro, mas também, como já foi dito anteriormente, permeia a narrativa em si. Trata-se de um mundo desolado e devastado, no qual a sobrevivência é extremamente difícil. Têm-se o tempo todo a preocupação do pai em como garantir a sobrevivência deles diante da fome, do frio, da doença e também de outros sobreviventes, os quais poderiam mata-los a qualquer momento ou coisa pior. É um mundo habitado por bandos de saqueadores e canibais, os “caras maus” conforme o pai se refere a eles quando fala com o menino, onde a busca pela sobrevivência reduziu a maioria dos sujeitos que restaram aos seus piores instintos e impulsos.

Isso por si só já seria suficiente para gerar um embrutecimento dos personagens, em especial do pai, desumanizando-os. Esse, no entanto, fortuitamente não é o caminho tomado pelo pai e seu filho. Não há apenas a preocupação de sobreviver, encontrando o necessário para tanto, como abrigo, comida e remédios, mas também em como eles vão sobreviver, isto é, as condutas que eles vão tomar para tanto. E é precisamente neste ponto, Caro(a) Leitor(a), que o livro apresenta os elementos que mais me impactaram quando da minha leitura. Não basta apenas sobreviver, pensa o pai, mas é preciso também preservar, dentro dos limites do possível, alguns preceitos morais e o tanto de inocência do garoto quanto um mundo desses pode permitir. É preciso, como o menino constantemente reafirma, que eles sejam os “caras bons”, isto é, “aqueles que carregam o fogo” em meio as ruínas.

Têm-se então uma narrativa de um pai que se preocupa em fazer o necessário para que o seu filho sobreviva, enfrentando todas as dificuldades possíveis e imagináveis, ao mesmo tempo em que tenta não se deixar embrutecer pelas circunstâncias em que se encontra. Assim, existe uma dimensão de cuidado a respeito do menino que não se limita aos aspectos práticos da sobrevivência, mas vai muito além disso e envolve toda uma dimensão afetiva e moral. Isso fica evidente em diversos momentos do livro, conforme os personagens vão avançando em sua jornada, seja na preocupação constante do pai com o bem-estar do filho, tanto prático quanto afetivo, seja em eventos específicos que tornam isso mais evidente.

 Dentre essas situações, algumas em especial chamaram minha atenção, as quais destaco aqui. O pai contando ao filho “velhas histórias de coragem e justiça”, conforme ele ainda se lembra delas. A preocupação do garoto em como eles devem tratar outros “viajantes peregrinos” que encontram ao longo da jornada pela estrada, de modo a compartilhar com eles o que se tem. As reações do pai aos erros do filho, sempre buscando ser caridoso e gentil mesmo quando estes ocasionam perdas de recursos e suprimentos preciosos. A prioridade que sempre é dada a ao filho, seja em termos de alimentos, remédios ou roupas. E, por fim, o pai dando ao filho a última iguaria de um mundo que não existe mais, uma lata de Coca-Cola intacta, por sorte encontrada. São esses momentos, alguns pequenos e simples, outros de grande impacto e repercussão na jornada, que evidenciam sempre a mesma coisa: amor, afeto e esperança em meio ao fim do mundo.

A primeira vez que eu li este livro, quando tinha cerca de 20 anos de idade, essas passagens ressoaram bastante comigo, por motivos muito pessoais. Em primeiro lugar, porque meu próprio pai em nada se assemelha ao personagem acima descrito, figura de afeto e cuidado, seja ele material ou afetivo. Bem diferente, trata-se de alguém com quem eu tenho, sendo generoso na descrição, uma relação bastante precária. Em segundo lugar, porque naquela época, mais jovem e um tanto quanto mais otimista, a ideia de ter uma família e filhos era algo central no meu projeto de vida, talvez até mesmo o ponto mais importante dele. Assim, via na narrativa uma representação daquelas virtudes que considerava que deveria ter com meus próprios filhos, quando os tivesse.

Quase dez anos se passaram e muita coisa está diferente, ainda que algumas permaneçam as mesmas. Por um lado, a situação com meu pai ainda segue em seu estado de precariedade: toda relação interpessoal, seja familiar, de amizade ou de natureza amorosa, envolve dois polos e ambos precisam estar dispostos a se esforçar para que as coisas funcionem. Assim, não existe resolução catártica de filme de Hollywood ou de novela da Globo quando apenas uma das partes toma as medidas necessárias para tentar solucionar os problemas. Às vezes, o que nos resta é aceitar como as coisas são e seguir em frente.

Por outro lado, uma coisa que mudou consideravelmente foi como eu encaro a questão de formar uma família, ter filhos. Por diversos motivos, a maioria dos quais não cabe adentrar aqui neste momento, fui pensando cada vez menos nisso e esse desejo foi sendo gradativamente reduzido. Hoje em dia existem inúmeras outras prioridades na minha mente e, sendo bem sincero, acho que não me vejo mais fazendo isso. Talvez isso mude um dia, quem sabe. Talvez não. Como eu disse lá em cima, as coisas mudam. Assim é a transitoriedade da vida.

De todo modo, a releitura me permitiu enxergar algumas coisas que não consegui perceber da primeira vez. Em parte por causa das mudanças que ocorreram, de perspectiva, experiências e de projeto de vida, em parte por um amadurecimento que, com sorte, vamos adquirindo, mesmo que muitas vezes de maneira dolorosa, ao longo da vida. Assim, ainda que minha impressão original não tenha sido alterada em sua essência, ela se aprofundou. Tornou-me mais evidente um elemento muito importante, o qual não havia conseguido visualizar totalmente na narrativa da primeira vez que a li: as dificuldades do pai em fazer tudo isso, seja na dimensão física, psicológica, emocional, moral ou existencial.

Relendo, tornou-me muito mais evidente o sofrimento e a luta do pai na narrativa. Suas dificuldades físicas, em parte por conta da idade e em parte pela doença e pela fome. Suas dificuldades psicológicas, pois precisa enfrentar tudo aquilo e ainda ser o suporte do seu filho. Suas dificuldades emocionais, quando ocasionalmente relembra aquela que foi sua vida antes do mundo acabar, antes de tudo desmoronar em ruínas. Suas dificuldades morais, tentando manter ele e seu filho vivos, ao mesmo tempo em que precisa seguir sendo um dos bons, um daqueles que carregam o fogo. E, por fim, suas dificuldades existenciais, quando vez ou outra se pergunta se haveria mesmo algum sentido nisso tudo ou se não seria o caso de simplesmente encerrar as coisas de uma vez, para ele e para o menino. Tornou-se, portanto, uma experiência de leitura muito mais rica e interessante.

Em resumo, simplificando um pouco as coisas, talvez da primeira vez, ainda saindo da adolescência, eu tenha visto a narrativa a partir dos olhos do filho, daquele que se encontrava na posição de quem necessitava do cuidado. Talvez agora, já encerrando a fase de “jovem adulto” e partindo sem desculpas para vida adulta, eu esteja enxergando a narrativa mais especificamente pela perspectiva do pai, daquele que precisa assumir em definitivo os ônus e as responsabilidades sobre a vida. Talvez na verdade eu ainda esteja em um meio termo, transitando entre um e outro. Confesso que não sei exatamente. Daqui a dez anos, quando eu pegar esse livro de novo e reler este pequeno ensaio aqui, vou refletir sobre isso. Vai saber o que irá acontecer e como as coisas vão estar até lá. Vai saber quais vão ser meus objetivos, prioridades e projetos de vida. Vai saber que tipo de sujeito eu serei e com que olhos eu vou ler esse livro.

Assim é a transitoriedade da vida: como cinzas espalhadas pelo vento. Eu espero apenas ser digno de carregar o fogo.

 

OBS 1: Para aqueles que se interessarem pelo livro, eis aqui o link da Amazon na versão que eu li:

https://www.amazon.com.br/gp/product/0307386457?pf_rd_r=YB1HEGNGWK1V66KP30W0&pf_rd_p=72a7651a-a7d8-4551-b248-c61480b6ce6e&pd_rd_r=4a91662e-388b-437b-bee7-9b0f67394c8a&pd_rd_w=BEFSW&pd_rd_wg=vdRVI&ref_=pd_gw_unk)

 

OBS 2: Existe adaptação cinematográfica do livro, com o Viggo Mortensen como o Pai. Ela também é bem boa e vale a pena ver, mas se possível leia o livro primeiro, como geralmente acontece o livro é melhor que o filme. 

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Meu quarto, meus livros, minha “biblioteca”: alguns comentários sobre meu pequeno canto do mundo

 

"Eu sempre imaginei o paraíso como um tipo de biblioteca" - Jorge Luis Borges

 


O período de pandemia obrigou muitos profissionais a adotar o chamado “home office”, também conhecido mais simplesmente como “trabalhar de casa”. Com os professores isso não foi diferente, de modo que, de repente, nos vimos obrigados a transmitir nossas aulas diretamente de nossas casas, seja da sala, do escritório ou dos seus próprios quartos. O meu caso se enquadra precisamente nessa última categoria, na medida em que o restante da minha casa é barulhento e caótico demais para tornar possível qualquer outra alternativa. Sendo assim, todas as minhas atividades digitais (ministrar aulas, ter aulas do doutorado, participar de reuniões, palestras e eventos) são feitas no meu quarto.

Existe aqui uma bancada fixa na parede, que é onde o computador fica apoiado para a realização de todas essas atividades, o que faz com que minhas opções de como enquadrar a câmera fiquem bastante limitadas. Em outras palavras, é basicamente apenas um ângulo de exibição, o que necessariamente coloca as minhas estantes atrás de mim no enfoque. Trata-se, portanto, de uma imagem bastante conhecida a essa altura, antes limitada aos correspondentes e especialistas participantes de jornais, mas que hoje se tornou ainda mais comum até pelas exigências da pandemia e do ensino digital: um sujeito falando sobre determinado conteúdo com diversos livros dispostos em exibição atrás dele, os quais, inevitavelmente, chamam a atenção.

Em um primeiro momento, pode-se ver isso como intencional. O cenário típico que representa um certo tipo de autoridade intelectual e confere ao sujeito que fala alguma “autoridade”, mesmo que em um nível inconsciente. Não à toa, diversas pessoas constroem tais cenários propositalmente, se posicionando de tal forma para realizar suas atividades acadêmicas e profissionais na frente de um computador. Confesso que eu não vejo nada intrinsicamente negativo com essa prática comum, mesmo que muitas vezes ela seja alvo de comentários, alguns críticos (ato de esnobismo, pretensão, soberba) e outros bem-humorados (“vende-se imagem de papelão com cenário de livros para você colocar no fundo das suas atividades digitais”).

De toda forma, gostaria de enfatizar que não julgo e muito menos condeno aqueles que fazem isso deliberadamente, seja por quais motivos forem. Já dizia o poeta: cada um no seu quadrado. No meu caso, no entanto, não é nem um pouco intencional e, se vamos falar francamente aqui, a verdade é que eu que não me sinto lá muito confortável com isso e se fosse possível, o que já estabelecemos que não é, eu preferia muito mais ter a exibição de uma parede básica por detrás de mim. Em outras palavras, sendo bem direto: não, eu não estou exibindo minhas estantes e meus livros para você propositalmente, Caro(a) Leitor(a). Na verdade, se dependesse de mim, eu preferia que minha pequena “biblioteca” e meu quarto em si, com sua decoração um tanto quanto irreverente (e existem motivos por detrás dessa irreverência que serão objetos de um próximo texto), permanecessem seguindo a mesma lógica que ditou boa parte da minha vida: algo que apenas poucas pessoas, muito próximas, tinham acesso.

Existem alguns motivos para toda essa reticência e reserva em relação ao meu quarto, os quais precisam ser abordados aqui. Conforme já foi mencionado em outro texto (se você ainda não leu, dê uma olhada: https://resquiciosanalogicos.blogspot.com/2020/04/solitario-de-chaboute-solidao-como-uma.html), meu quarto foi, por boa parte da minha vida, um recanto onde eu me refugiava (ou, às vezes, me escondia, está aberto à discussão) do resto do mundo. Sendo assim, tratava-se de uma espécie de oásis em meio a uma vida que, especialmente na dimensão familiar, era composta muito mais por problemas, conflitos e estresses do que por momentos de calma e tranquilidade. Por conta disso, construí uma certa ideia de “sacralidade” a respeito deste que foi, durante muito tempo e por muitas vezes, um lugar de segurança, tranquilidade e sossego. E, assim, cresci acostumado com essa dinâmica: um certo protecionismo e reserva em relação ao meu quarto.

Imagine minha surpresa, Caro(a) Leitor(a), quando por conta da pandemia e da situação das atividades digitais este que era o meu recanto isolado e de difícil acesso para o mundo exterior deixou de ser apenas um local de estudo e produção individual para se tornar, além disso, a minha “estação de trabalho”, isto é, o local a partir do qual eu desempenho basicamente todas as minhas atividades. Em termos diretos, subitamente inúmeras pessoas, cerca de 400 a 500 alunos, passaram a ter acesso, mesmo que de forma digital e apenas visual, a um lugar que eu gostava de preservar o máximo possível do resto do mundo. E eu confesso para vocês: de início, eu estranhei muito tudo isso.   

Assim que a dinâmica de atividades digitais se instaurou e eu passei a ministrar aulas daqui do meu quarto, parte dele, especificamente as estantes que ficam atrás de mim durante a exposição, se tornou “lugar comum”: os alunos podiam ver meus livros, os objetos de decoração, as pequenas idiossincrasias que compõem esse canto e refletem uma parcela de quem eu sou. Podiam, como muitas vezes fizeram, comentar sobre os livros, perguntar a respeito deles e também sobre os objetos de decoração, dentre outras várias coisas. Meu impulso inicial diante dessa situação de estranhamento foi uma certa “cautela”, uma certa reticência em compartilhar essas coisas que, na minha visão, eram tão privadas e preciosas, com outras pessoas.

Contudo, com o passar do tempo e com o desenvolvimento das interações nesse sentido, de conversar sobre as coisas que compõem esse pequeno cenário pitoresco que os alunos viam ao fundo, fui gradativamente deixando o desconforto para trás e, eventualmente, me tornei cada vez mais confortável com isso, passando inclusive a apreciar esse tipo de interação. Não me entenda mal, Caro(a) Leitor(a), eu ainda não aprecio a exposição, pessoalmente não me apetece nem um pouco a postura “olhem, vejam quantos livros eu tenho”. Isso simplesmente não faz muito meu estilo. Mas, passei a não me importar com o “acesso” (pelo menos de forma digital/visual, não estou abrindo excursões, muito obrigado), de outras pessoas ao meu recanto e às coisas que eu tão cuidadosa e carinhosamente reuni aqui e passei a verdadeiramente apreciar aquelas interações que se tornam possíveis por esse compartilhamento.

Não à toa, a partir disso estou gradativamente me tornando mais aberto e flexível com essa questão de “exposição” do meu quarto, dos meus livros, das minhas coisas. Isso é até mesmo verificável empiricamente, basta ver que há a publicação de algumas fotos em redes sociais que buscam compartilhar algumas coisas daqui do meu recanto, algo que até alguns anos atrás era impensável para mim. Por fim, indiretamente isso contribuiu até mesmo para o projeto Resquícios Analógicos, o que nada mais é do que um tipo de exposição: sobre que eu sinto e penso, sobre as coisas que eu gosto e desgosto, sobre os livros, filmes, séries e quadrinhos que eu aprecio e o porquê.

Eu sempre gostei de interagir com as pessoas, discutir sobre as coisas que eu gosto e aprender com o outro a partir das suas opiniões e preferências. Foi assim que chegaram até mim diversas das coisas que hoje em dia são centrais no meu gosto e na minha personalidade, como por exemplo algumas das minhas bandas favoritas, alguns dos autores literários que mais gosto, além de inúmeros outros exemplos que incluem filmes, séries, jogos, os quais eventualmente serão tratados nos textos aqui publicados. É sempre bom descobrir uma nova forma de interação a qual eu não estava acostumado e que não me sentia confortável, especialmente em tempos tão conturbados como estes que nos encontramos.

Sendo assim, pegue uma cadeira e sente-se junto à fogueira, Caro(a) Leitor(a), vamos conversar.

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